terça-feira, 29 de setembro de 2009

SAIBAM: Acho que estou aprendendo...

Acho que estou aprendendo o que é compaixão e o que é discernimento. Depois dessas minhas andanças pela Índia e pelo Butão, estudando yoga, budismo e hinduísmo, acho que aprendi alguma coisa.

Estava hoje assistindo à apresentação da tese de mestrado de um colega cirurgião, na Universidade onde sou docente. Ele quer estudar se a vitamina C tem um bom efeito no tratamento de queimaduras de segundo grau. Para tanto, ele vai utilizar cobaias, tendo que provocar queimaduras com água fervendo nelas.


No momento em que ouvi a apresentação do método de estudo, me senti mal. A sala estava quente e comecei a ter uma falta de ar. Nem preciso dizer que não ouvi o resto da apresentação deste projeto, não só porque fiquei imaginando os porquinhos da índia sendo machucados - mesmo porque o colega enfatizou que eles seriam anestesiados antes de sofrer a queimadura - mas porque, com aquele mal estar, minha mente virou um turbilhão. Olhei os rostos das pessoas procurando alguém tão indignado quanto eu... em vão...


Lembrei dos meus tempos de estudante de medicina em que operávamos sapos e cachorros (anestesiados, mas de qualquer forma eles morriam no final) e que, naquela época, aquilo não me causava muito incômodo. Sempre tive fama de gostar de bichos, mas acho que me agarrava no discurso de que não havia outro jeito de eu aprender algumas coisas da medicina... será que não tem mesmo? E eu também ainda não havia viajado tanto, estudado, vivido e sofrido esta mudança gradual nos meus preceitos éticos.


Uma vez, quando eu estava no 4o. ano, fizemos um experimento com 10 camundongos. Consistia em aplicar uma injeção de calmante neles. Não lembro exatamente o porquê do experimento - só sei que eles não sofriam, só dormiam. Mas teve um que acordou! Juro! E eu sabia que, quando a aula terminasse, ele iria ser sacrificado. Não tive dúvida: enfiei o camundongo no bolso do avental e trouxe para casa! O mais engraçado foi passar no petshop e, com o camundongo em cima do balcão, perguntar para a moça: "que gaiolinha você acha boa para criar um ratinho?" A moça respondeu seu eu queria mesmo criar "isso"... ninguém gosta muito de rato, né? Mas eu adorava a Margô! Ficou na minha casa bem uns meses, até minha empregada se encher do cheiro do xixi dela e dar sumiço na pobrezinha....


Mas, voltando ao meu sentimento de hoje: não fiquei com raiva do colega dono do projeto. Acho que senti compaixão por ele também. Talvez a escolha por este método cruel de estudo seja apenas falta de discernimento dele. Ele ainda não descobriu o sentido da compaixão, ou tem o ego grande demais (como é de praxe entre os cirurgiões) o que o faz sentir que pode subjulgar uma outra espécie. É a ilusão, mais uma vez maya, que não o deixa perceber a realidade, a Verdade. Neste caso a verdade é: todos somos seres pertencentes a um mesmo universo. Ninguém tem direito de machucar propositalmente o outro.


É muito ruim proporcionar sofrimento ao outro. EU tenho essa sensação - e as pessoas me acham estranha porque eu não mato mosca, nem abelha, nem aranha, nem lagartixa, nem mariposa - me dou o trabalho de tocá-las para fora... E é muito triste que ele não tenha essa sensação também.

Triste que ele não conheça AHIMSA - a não violência - o principal preceitos ético do yoga e do budismo.

Triste ele não saber quantos "pontos negativos" ele vai acumular no seu CrediKarma... já que ele não sabe o que é uma ação dhármica.

Triste ele não pensar que poderia se superar, ter um reconhecimento muito maior e provocar um bem maior, caso optasse por quebrar um pouco mais a cabeça e achar um método não-vilento para estudar o tratamento das queimaduras.

Triste saber que este é apenas um exemplo pequeno perto do que acontece nas caçadas, touradas, nos rodeios, na farra-do-boi, casacos de pele, indústria de cosméticos, abatedouros.... e outras atrocidades em nome da diversão humana.

Mas alguém poderia argumentar: mas pelo menos ele vai estudar um remédio que poderá trazer benefícios para a humanidade, futuramente. Sim. Mas queimadura é acidente e, às vezes, violência. Acidente e violência se previnem. Prevenção se faz com educação. Porque não estudar a prevenção? Porque não fazer um estudo não-violento? Porque muitos médicos acham que prevenção não é medicina?

Agora só me restar torcer por este meu colega, que não é uma pessoa ruim, de jeito nenhum! Ele está apenas sem saber o que está fazendo. Enxergando através do véu da ilusão: maya. Espero que ele atenda muitos pacientes graves e opere muitas pessoas na emergência. Que salve muitas vidas. Assim, quem sabe, o saldo do CrediKarma dele possa chegar perto do positivo!

Eu aqui, vou fazendo a minha pequena parte - já argumento sobre a necessidade de matar animais para estudar medicina, testar remédios etc., não uso produtos testados em animais. Estou no caminho de tornar-me vegetariana. Ainda não resisto a um belo sushi, mas não como mais carne vermelha. Não que eu despreze o peixe - é a ilusão que não me permite ver um prato lindo de sushi como um cadáver... porque é um cadaver mesmo, né?... Mas sinto assim quando eu olho uma peça de picanha sangrando! Acredito que, com o tempo e com dedicação, eu consiga me livrar de mais esta ilusão, (pelo menos já estou consciente que ela exite), e me torne vegetariana de uma vez por todas - em nome de AHIMSA, que eu carrego tatuada na perna... eu chego lá, espero que seja nesta atual edição!



Om Shanti!

2 comentários:

angela disse...

Silvia
Admiro sua disposição, as vezes penso nisso e passo tempos sem comer carne, depois fico achando que estou fraca, etc. que este mundo é muito cruel e que não posso ficar muito suave, sob pena de não resistir, sei lá Como você diz pode ser maya, o dificil é discriminar. Haja tempo.
beijos

CarolBorne disse...

Silvinha, eu queria ter essa tua iluminação. Pelo menos parte dela pra poder enxergar o mundo de um jeito menos nebuloso. Tenho muito que aprender.
Namastê!

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

Médica formada na Faculdade de Medicina do ABC em 1999. Fez residência em Pediatria na Escola Paulista de Medicina – UNIFESP até 2002.

Especializou-se em Homeopatia pela Escola Paulista de Homeopatia, atual ICEH, de 2003 a 2005.

Seu interesse em Ayurveda nasceu com o início das práticas de Yoga em 2002. Em 2007, fez o módulo I de formação em Yoga com Pedro Kupfer. Em 2008 concluiu a formação em Ayurveda na Clínica Dhanvantari em São Paulo, com Dr. Luiz Guilherme Corrêa Neto.

Na Índia, fez estágio em Ayurveda e Pregnancy & Baby Care na “School of Ayurveda & Panchakarma”, Kannur, Kerala, em Janeiro de 2009 e no Arya Vidya Peetam Trust, AVP Hospital, Coimbatore, em janeiro de 2010.

Atualmente trabalha na em seu consultório, atendendo a consultas de Pediatria e Puericultura, permeadas pela Homeopatia, pelo Ayurveda e pela sua bagagem de maternagem.

Escreve o blog PEDIATRIA INTEGRAL no Portal de maternidade ativa Vila Mamífera.

TODOS SOMOS UM