No início, o choque. Minha mãe quase teve um infarto ao me ouvir dizer que tinha escolhido ir à AFRICA e não aos Estados Unidos, como todos os teens de 16-17 anos sonhavam em ir. Africaaa??? Claro, Africa. O que ela esperava? (Acho que foi a primeira comprovação do meu gosto pelo novo e pelo inexplorado). Sempre tive o costume de deixar meus pais de cabelo em pé com o meu jeito. Mas dessa vez peguei pesado com eles! Que aluno do meu colégio burguês já havia estado na Africa??? Ou pelo menos cogitado a possibilidade de um dia ir à Africa do Sul? Afinal, o que eu iria aproveitar da Africa? Minha mãe dizendo minha filha está fazendo intercâmbio na África... e os outros pais respondendo Africaaaa???? com a expressão de o que ela foi fazer lá?!
Lembrando que em 1992 não tinha copa do mundo na Africa, não tinham celebridades, não tinha economia estável,"nada pra se ver" lá. O país tinha acabado de sair da sansão imposta devido ao apartheid. O presidente ainda era Frederik de Klerk , o último presidente branco, que participou da libertação de Nelson Madela em 1990, legalizando o CNA e outros movimentos de libertação. Mandela, para minha surpresa, comandava o CNA de forma bastante turbulenta e violenta...
Mas depois pudemos conhecer o grupo todo que ia naquele ano, o grupo que tinha ido no ano anterior... minha mãe viu que ninguém era de Marte, que todos voltaram da Africa com seus braços e pernas inteiros, sem mordidas de leão e tal. E aí tudo se acalmou e eu fui morar 3 meses na Africa do Sul, numa cidadezinha de praia chamada Amanzimtoti, a 40 minutos de Durban.
Lá fiz grande amigos! Vivi momentos inesquecíveis e que tenho MUITAS saudades, até hoje. Por um bom tempo nos correspondemos por cartas, (em 1992 não tínhamos acesso à internet!) até que a minha família se mudou de Amanzimtoti e perdemos contato.
Eu nunca desisiti de saber deles. Logo que aprendi a navegar na net comecei a procurá-los. Talvez lá na Africa do Sul eles tenham demorado um pouco para deixar pistas na web. Fiz que fiz, mas somente em 2005 encontrei umas das minhas 3 irmãs, num site de relacionamento de ex-alunos do highschool de Amanzimtoti! Madei um email perguntando se era ela mesmo, e era!!! A partir daí fiquei sabendo as novidades de todos! Meu pais sul-africanos Niek e Annette, já grisalhos, não tão alegres como antigamente, devido a ... à vida, que passou. A vida na Africa do Sul ficou bastante dura depois que retornei ao Brasil. Recessão, violência, desemprego. Muito como aqui, mas tive a impressão de que a por lá, a coisa ficou realmente muito preta. Na época em que estive lá, eles tinham um vida confortável, casa grande, carros bons, muito conforto. E quando Niek perdeu o emprego tudo isso acabou. Fiquei tão sensibilizada!
Eles são brancos, falam Afrikaans, o dialeto da África do Sul resultado da junção entre o que falavam os colonos europeus e a força de trabalho não-européia trazida à região pelos holandeses. Apesar de brancos e de viverem na época numa cidadezinha predominantemente branca, tinham amigos indianos e negros, e também portugueses. Aprendi com eles que, mesmo a Africa do Sul tendo o horrível apartheid no seu passado, isso não importava. O preconceito está dentro de nós, muito mais do que nas leis. E esta família tinha uma atitude de coração aberto, de apoio a abertura política e social e desprovida de preconceitos. Eram verdadeiramente preocupados com o próximo, sem se importar com a cor da pele. Participavam de discussões e tinham atitudes preocupadas com o futuro do seu país. Tinham um patriotismo saudável, uma vontade de mudar, ou pelo menos amenizar, os horrores do apartheid. E ao mesmo tempo, sofreram com as consequências de tantas mudanças na história recente de seu país.
Hoje, mais madura, percebo não foi à toa que escolhi a África do Sul para mergulhar no novo. Sim meu inglês voltou de lá afiadíssimo! Lembrem que em 1992 não tinha messenger, nem skype e ligar para o Brasil custava bem caro - fiquei literalmente os 3 meses falando inglês. Nenhum brasileiro em Amanzimtoti e apenas 4 telefonemas para o Brasil: Oi mãe cheguei bem, Feliz Natal, Feliz Ano Novo e Oi mãe, estou voltando. O resto era por carta.
Lá, aos 17 anos, conheci pessoas especiais, um país peculiar na sua história e na sua natureza, pela primera vez me questionei sobre preconceito, sobre direitos humanos, política e Nelson Mandela. Vivi na pele aquelas aulas chatas de história e geografia do colégio.
Foi na África do Sul também que conheci o meu primeiro amor e vivi um dos sentimentos mais puros e verdadeiros da minha vida.... mas essa é uma OUTRA história - fiquem tranquilos, não vou deixar de contá-la!!! (Em se tratando de mim, tinha que ter me apaixonado na África do Sul, claro! Imagina se o meu primeiro amor ia ser o professor do colégio, como todas as teens que sonhavam ir aos Estados Unidos.....hahahahaha!)
Hoje entendo porque, na minha ida, subi no avião sorrindo e festejando, feliz e saltitante. Ao contrário dos outros que se debulhavam em lágrimas ao se despedirem dos seus pais, assustados como a aventura que estava por vir. E entendo mais ainda porque, na minha volta, ao desembarcar, era só eu que chorava ao abraçar os meus.
OM SHANTI!
3 comentários:
Oi Silvia
Adorei seu blog.
E gostei dessa alma aventureira e inquieta.
beijos
Eu precisava ter ido à África. E à Àsia. Quem sabe na próxima reencarnação? Enfim: não me conformo de viver atada a um só ponto no universo tão grande e tão diverso!
Oi, Silvia! Também gostei muito de te ler! Essa história de sua experiência na África é fantástica, pela lição de vida que ela representa! Temos visões tão estereotipadas sobre esse país e sua gente! Adorei! Voltarei e espero que um dia desses eu possa ler essa OUTRA HISTÓRIA que você prometeu que vai contar!!!
Bjos
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