domingo, 7 de fevereiro de 2010

DIARIO DE BORDO: Coimbatore - Arsha Yoga Vidya Peetam Trust

A experiência no AVP Hospital em Coimbatore foi mais do que especial!
Ficar totalmente envolvida com o hospital foi muito mais legal do que eu esperava! Tínhamos uma rotina que me fez lembrar bastante dos tempos do internato na Faculadade de Medicina:

Pela manhã visitas à enfermaria com o chefe: Dr. Narayana - nos primeiros dias um senhor sizudo, rápido, passava aqui e ali nos quartos sendo muito simpático e atencioso com os pacientes! Mas nós parecíamos uns fantasminhas atrás dele! Durou pouco: na primeira brecha lá fui eu com mil perguntas para Dr. Narayana - e ele gostou! Devagar fomos quebrando o gelo, até o ponto em que, ao sair da enfermaria, ele resumia rapidamente para nós a evolução do paciente. Nas últimas visitas Dr. Narayana já estava todo feliz de ter "médicas-estudantes" (como ele mesmo se referia à nós) acompanhando o seu trabalho! E nós, totalmente honradas com a atenção dele...

Depois da visita: ambulatório com Dr. Keshavan. Este era rápido. O ambulatório dele era bem cheio, então as consultas eram bem rápidas, tipo, 5 minutos! É claro que ficamos boiando no início: trocentos nomes de medicamentos ayurvédicos, termos em sânscrito, e a lingua, pois a maioria dos pacientes falava malayala ou tamil com o Dr.! Mas dois fatores nos salvaram: o prontuário ambulatorial era no computador, em inglês, então víamos as queixas e a prescrição na tela; e a salvadora-mor: Sandia, a estudante indiana de Ayurveda, que estava a 6 meses da formatura, e que cochichava tudo nas nossas orelhas. Outro amigo foi o Sanjit, outro estudante que nos ajudava, mas preferia a técnica de passar bilhetinhos! Dr. Keshavan também logo amoleceu e discutia os casos com os dois em inglês, para que nós pudéssemos entender, e logo soltava aquele "oh, please come!" indiano ao nos ver plantadas na porta da sua sala...

  • Depois do ambulatório a gente almoçava na cantina do hospital. Era nos servido o "prato feito" do dia - o thali: arroz, dhal (lentilha), vegetais, curd (iogurte), chutney, pickles e papad (pãozinho frito) e a sobremesa que normalmente era arroz-doce ou sagu. Uma delícia de refeição vegetariana, a gente não enjoava! Nem do thali nem do dosa - a "panqueca sem recheio" do café da manhã! Bom, para comer o thali, você vai misturando os caldinhos no arroz, amassa com os dedos vinte e cinco vezes pra cá, vinte e cinco vezes pra lá, para formar tipo um bolinho e nhac! (a história das vinte e cinco vezes é só uma brincadeira nossa de observar os indianos comendo com a mão numa prática... a gente bem que tentou mas ficamos longe de fazer como eles!)




"two dosa, two tea, please!"





    Depois do almoço, tínhamos aulas teóricas e práticas, com a Dra. Liji e Dr. Hari. Ambos excelentes professores! A Liji tinha todos os textos clássicos decorados na cabeça, impressionante! Tinha respostas exatas e rápidas para todas as nossas perguntas. A aula dela era bem precisa, baseada totalmente nos clássicos do Ayurveda: Caraka e Susruta Samithas e Astanga Hridayam, para o meu deleite! O Dr. Hari tem um jeito todo especial de dar aulas! Eu e a Bárbara ficávamos hipnotizadas com o jeitinho dele de fazer tudo se encaixar na nossa cabeça: "... because of Vayu..." ele dizia, com o indicador apontando para cima, para ressaltar a importância da sentença, e com um cara de sério, muito sério, mas que só fazia ressaltar as covinhas! hahaha... que graça!

    À noite jantávamos e íamos para o nosso canto lá no Aditya Apartaments, na própria Trichy Road, o alojamento do AVP Hospital - tipo uma república, que ficavam os estudantes gringos. Bem roots, no melhor estilo Índia, mas ficou a nossa cara depois de uma faxininha básica...

    Esses tempos em Coimbatore foram mesmo ricos demais! Tanto no que eu aprendi de Ayurveda - ver a experiência clínica deles foi fundamental para eu sair mais ainda da teoria e fazer a aplicação prática ter todo sentido - apesar da fisiopatologia ser tão diferente, os medicamentos tão diversos, apesar do Ayurveda ser uma ciência antiquíssima, a forma com que eles praticavam Ayurveda lá era literalmente medicina. Digo, para eu que vivi os tempos de internato e residência médica, chegar lá e ver o Ayurveda ser exercido junto com tudo o que eu vivienciei na minha prática médica convencional, foi excepcional. Parecia que falávamos a mesma língua. Qual não foi  minha alegria ao chegar no AVP Hospital e poder ter em minhas mãos os prontuários, as prescrições, as histórias clínicas tiradas pelos residentes, as discussões de caso, as visitas... tudo, tudo, tudinho como eu aprendi na faculdade - e concluí: medicina é medicina - mudam o raciocínio e os instrumentos, mas prática médica continua sendo prática médica em qualquer lugar do mundo e com qualquer sistema de medicina. Fiquei muito feliz de ver a seriedade, a ética, a precisão e a conduta perfeita dos médicos indianos. Espero que eu consiga trazer isso para a minha prática também!

    Tenho certeza que cada vez mais o Ayurveda vai se estabelecer como prática médica aqui no Brasil, assim como aconteceu com a Medicina Tradicional Chinesa e a Homeopatia. É muito importante que o público em geral comece a ver o Ayurveda desta forma: um sistema de medicina que abrange muito mais do que técnicas de massagem e tratamentos superficiais. O Ayurveda pode e deve ser exercido na sua forma mais ampla, por profissionais com conhecimento médico, para tratar os mais diversos tipos de doenças.

    Estou mais do que feliz por ter constatado tudo isso lá na Índia e por estar ligada, aqui no Brasil, à Clínica Dhanvantari e às pessoas que pensam da mesma forma que eu e que, com certeza, não medem esforços para exercer o Ayurveda com toda propriedade ética.

    OM SHANTI!

    2 comentários:

    angela disse...

    Silvia
    Que experiencia legal!
    Fico feliz em ver seu entusiasmo e paixão, isso é fundamental para uma pratica tão importante e que cuida da gente.
    beijos

    Bárbara disse...

    Silvinhaaaaaa!!!
    Quero um dosa! (and tea, of course!) very big!!

    TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

    Médica formada na Faculdade de Medicina do ABC em 1999. Fez residência em Pediatria na Escola Paulista de Medicina – UNIFESP até 2002.

    Especializou-se em Homeopatia pela Escola Paulista de Homeopatia, atual ICEH, de 2003 a 2005.

    Seu interesse em Ayurveda nasceu com o início das práticas de Yoga em 2002. Em 2007, fez o módulo I de formação em Yoga com Pedro Kupfer. Em 2008 concluiu a formação em Ayurveda na Clínica Dhanvantari em São Paulo, com Dr. Luiz Guilherme Corrêa Neto.

    Na Índia, fez estágio em Ayurveda e Pregnancy & Baby Care na “School of Ayurveda & Panchakarma”, Kannur, Kerala, em Janeiro de 2009 e no Arya Vidya Peetam Trust, AVP Hospital, Coimbatore, em janeiro de 2010.

    Atualmente trabalha na em seu consultório, atendendo a consultas de Pediatria e Puericultura, permeadas pela Homeopatia, pelo Ayurveda e pela sua bagagem de maternagem.

    Escreve o blog PEDIATRIA INTEGRAL no Portal de maternidade ativa Vila Mamífera.

    TODOS SOMOS UM